Friday, November 04, 2005

- Você não acha extremamente perigoso montar um FAQ desses nessa altura do campeonato?

Acho. Mas ajo em benefício alheio. Funciona como uma espécie de alerta e meu lado humanitário fica mais contente ao saber que muita gente deixará de se meter em encrencas ao nortear suas intenções com relação a mim através disso aqui.

- Comecemos, pois: porque você é tão chato?

Eu tenho uma teoria pra isso: sou na verdade um pai frustrado. E isso desde os meus oito anos, portanto um pai frustrado há um bom tempo. Cultivo uma relação paternal em diversas escalas com diversas pessoas e/ou coisas e, como todo bom pai, odeio ser contrariado. Como pessoas possuem uma tendência acima do normal em me contrariar muito mais que as coisas poderiam, tendo a me relacionar melhor com coisas. Essas últimas talvez até me achem também um chato e tentem em seu íntimo erguer alguma resistência aos meus desmandos... é daí que vem minha desconfiança quanto aos esbarrões em portas, cabeçadas em armários e topadas em mesinhas de centro que vez ou outra me acontecem.

- Viver em meio a toda essa conspiração de pessoas e coisas que tentam derrubar o céu sobre sua cabeça não é uma coisa meio chata, não? Eliminar (ou efetivar de vez) esse paternalismo fake e mal empregado não seria um bom começo para se ver as coisas sob um ângulo mais real e terreno? E deixar de lado essa bobagem?

Não. Simplesmente porque simpatizo com a idéia. E não é uma conspiração. É um mecanismo de defesa natural do mundo com relação a minha presença nele. Ser tão bem tratado quanto um vírus num organismo é meu padrão comparativo pra checar se as coisas estão realmente em ordem no universo.

- Não tem medo disso soar exagerado, não?

É um risco calculado. Principalmente quando se tem em mente a dificuldade de se fazer entender ironicamente através de um texto. A ausência de piscadelas e cutucões e aquele gesticular de dedos em arco pode ser bastante inconveniente. Por outro lado ninguém disse que isso deveria ou não ser irônico, da mesma forma que ninguém mandou ser exagerado. Portanto, pelo menos em tese, isso pode soar absolutamente qualquer coisa que não estou nem aí. Frankly my dear, I don’t give a damn.

- Essa sua fixação pela figura de Judas não explicaria boa parte de você mesmo?

No que me diz respeito, sou a pessoa mais confiável que conheço. E no que diz respeito a Judas, me interesso muito mais pela maravilhosa e histórica figura trágica que ele se transformou, mediante uma série de acontecimentos que ele não poderia contornar simplesmente porque foi escolhido para agir daquela forma. E, uma vez que isso foi planejado pela parte ofendida, é o que põe em xeque o valor daquilo que entendemos como crime e castigo. É puramente esse anacronismo, esse desencaixe que me atrai. Não há comparação alguma comigo, portanto. Mas uma série delas com o que me cerca.

- E a que você atribui essa total inépcia com relacionamentos?

A esse meu jeito pateta de ser mickey mouse, talvez.

- Não vai nem tentar uma explicação?

Ok. A bem da verdade, cheguei à conclusão que sou um dachshund. Cães dessa espécie possuem uma incapacidade gigantesca para cuidar de seus próprios negócios. Tive um, durante um tempo. Era espantoso observar o quanto ele se atrapalhava ao tomar decisões imediatas e doloroso conferir o destino reservado a coisas que ele aparentemente tentava manter vivas. Aplicações financeiras e relacionamentos, por exemplo. Mas o pior de tudo era o olhar vago após a catástrofe. E o mutismo. Ah, o maldito mutismo daquele cão já me fez pensar em assassinato. Isso mais a pestilenta mania que ele tinha de deixar tudo para a última hora me fez perceber que o que passava pela sua cabeça nada mais era que a imagem de um lento sedimentar de tudo que está suspenso à frente de seus olhos - num efeito semelhante ao que conseguimos quando se agita uma bolha cheia de água e neve falsa. Mas não era só isso. A coisa mais assustadora e real que pude perceber naquele cão foi sua incapacidade em equalizar sentimentos de qualquer tipo, com qualquer um. Essa ausência, essa inépcia em ombrear emoções é o que sempre ditou suas atitudes – tome-se isso como covardia, alienismo ou estupidez, pura e simplesmente.

- E onde está o cão, agora?

Há pouco tempo atrás levei-o para passear. Dei um jeito de me perder dele pelo caminho e voltei. Tudo tranqüilo durante mais ou menos uma semana. Mas agora, bem nesse instante, neste quarto e nesta noite, posso senti-lo rondando lentamente a casa.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home

Motosserra de Occam